outubro 08, 2006

Procuro-te


Procuro a ternura súbita,
Os olhos como um sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.
Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
de um prado ou de um corpo estendido!
Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.
Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando se aperta contra o peito
uma flor ávida de orvalho.
Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
Porém eu procuro-te
Antes que a morte se aproxime, procuro-te.
Nas ruas, nos barcos, na cama,
com amor, com ódio, ao sol, à chuva,
de noite, de dia, triste, alegre – procuro-te !
Eugénio de Andrade

Sem ti...

E de súbito desaba o silêncio
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.
Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.
Eugénio de Andrade

Foto: Isabel Faria, retirada de Troll Urbano

outubro 07, 2006

O tempo que não passa e se arrasta por mim...


São os ponteiros do relógio que não se mexem, os dias que não passam, o Sol que não se põe nem volta a nascer...os vultos do que somos que se arrastam pelo mundo, os olhares alheios que não vêem o que deviam ver, as bocas que repetem constantemente as mesmas palavras ocas, as mãos que tentam a custo, alcançar-te...mas em vão, porque tu estás longe, longe de mim e perto da minha solidão!