julho 25, 2005

4 eLeMEnToS

"É um pássaro, é uma rosa,
é mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar."


Eugénio de Andrade



julho 21, 2005

pÉS


"Pudesse eu ser o mar e os meus desejos
eram ir borrifar-lhe os pés com beijos"

(Cesário Verde)

julho 20, 2005

CoMpLeMeNTaRiEdADe


“Na noite dos tempos em que fomos separados, uma das partes ficou encarregada de manter o conhecimento: o homem. Ele passou a compreender a agricultura, a natureza e os movimentos dos astros no céu. O conhecimento sempre foi o poder que manteve o Universo no seu lugar e as estrelas girando nas suas órbitas. Esta foi a glória do homem: manter o conhecimento. E isto fez com que a raça inteira sobrevivesse.

A nós, mulheres, foi-nos entregue algo de muito subtil, muito mais frágil, mas sem o qual o conhecimento não faz qualquer sentido: a transformação. Os homens deixavam o solo fértil, nós semeávamos e esse solo transformava-se em árvores e plantas. O solo precisa da semente e a semente precisa do solo. Um só tem o sentido do outro.

O mesmo se passa com os Seres Humanos. Quando o conhecimento masculino se une com a transformação feminina, está criada a grande união mássica que se chama sabedoria.”

In Brida, Paulo Coelho

julho 17, 2005

100 vOcÊ...

Avião sem asa
Fogueira sem brasa
Sou eu assim sem você
Futebol sem bola
Piu-piu sem Frajola
Sou eu assim sem você

Porque que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero todo instante
Nem mil auto-falantes
Vão poder falar por mim

Amor sem beijinho
Buchecha sem Claudinho
Sou eu assim sem você
Circo sem palhaço
Namoro sem amasso
Sou eu assim sem você

Tô louca pra te ver chegar
Tô louca pra te ter nas mãos
Deitar no teu abraço
Retomar o pedaço
Que falta no meu coração

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo
Por quê? Por quê?

Neném sem chupeta
Romeu sem Julieta
Sou eu assim sem você
Carro sem estrada
Queijo sem goiabada
Sou eu assim sem você

Porque que é que tem que ser assim?
Se o meu desejo não tem fim
Eu te quero a todo instante
Nem mil auto-falantes
Vão poder falar por mim

Eu não existo longe de você
E a solidão é o meu pior castigo
Eu conto as horas pra poder te ver
Mas o relógio tá de mal comigo

Ficando assim sem você, Adriana Calcanhoto

julho 09, 2005

o OuTrO


“Um sujeito encontra um velho amigo seu, o qual vive constantemente a tentar acertar na vida – sem resultado. «Vou ter que lhe dar alguma dinheiro», pensa. Acontece que, naquela noite, descobre que o seu velho amigo está iço e veio pagar todas as dívidas que tinha contraído no decorrer dos anos.
Vão até um bar que costumavam frequentar juntos, e ele paga a bebida a todos. Quando lhe indagam a razão de tanto êxito, responde que até há dias atrás, estava a viver o Outro.
- O que é o outro? – perguntam todos.
- O outro é aquele que me ensinaram a ser, mas que não sou eu. O Outro acredita que a obrigação do Homem é a passar a vida inteira a pensar como juntar dinheiro para não morrer de fome quando ficar velho. Tanto pensa, e tanto faz planos, que só descobre que está vivo quando os seus dias na Terra estão quase a acabar. Mas aí é tarde demais.
- E você quem é?
- Eu sou o que qualquer um de nós é, se ouvir o seu coração. Uma pessoa que se deslumbra diante do mistério da vida, que está aberta para os milagres, que sente com alegria e entusiasmo aquilo que faz. Só que o Outro, com medo de se decepcionar, não o deixava agir.
- Mas existe sofrimento – dizem as pessoas no bar.
- Existem derrotas. Mas ninguém escapa delas. Por isso, é melhor perder alguns combates na luta pelos seus sonhos, que se derrotado sem sequer saber por que está lutando.
- Só isso? – perguntam as pessoas no bar
- Sim. Quando descobri isto, acordei decidido a ser o que realmente desejei. O Outro ficou ali, no meu quarto, a olhar para mim, mas não o deixei mais entrar – embora tenha procurado assustar-me algumas vezes, alertando-me para os riscos de não pensar o futuro.”

Paulo Coelho, Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei


Imagem: Escher

julho 06, 2005

MomEnTo EnCaNTadO


Um êxtase invade a noite, como se fosse a última vez
que a escuridão contagiasse a cidade, imergida num silêncio constrangedor,
criando uma atmosfera onde a natureza retoma as suas leis extraordinárias.

A Lua cheia sorri, superior pela sua inconfundível beleza,
envaidecida pela mágica contemplação
das suas companheiras de longa data,
que a fazem feliz e conservam intacta a sua perfeição.
A noite mergulha numa chuva divina, que compõe na escala musical
uma melodia encantada, despertando os astros para uma dança sobrenatural.

Um clarão de fogo surge inesperadamente no ar
iluminando, de forma única, este cenário celestial
e proporcionando um momento eternamente lembrado :
a fusão do lume com o mar infinito vislumbrado;
como se se tratasse da união de dois seres opostos
que se complementam e se amam na sua plenitude.

A coreografia acompanhada por um celestino imaginário,
prolongou-se até uma estrela cadente rasgar o firmamento
com um rasto de chamas que a sucedeu,
deslumbrando os olhos atentos do poeta,
que, após suspirar arrebatado, adormeceu.
Ali mesmo, num quadro angelical, onde a quimera se tornou real.

Na aurora matinal, depois de tentar espreitar por uma ou outra nuvem,
O Sol nasceu enfim… segredando-lhe os sentimentos perdidos,
Que juntamente com a luz, o despertaram de volta para o caos.

julho 04, 2005

TraDiçÃo

Chegou ao fim a Feira de S. João, o acontecimento cíclico mais importante de Évora. Porque a tradição é importante, vaguemos pelo passado. Esta feira faz parte da vida da cidade há cerca de 5 séculos e significa uma ruptura com o quotidiano eborense, pois enche-o de movimento, alegria e animação que contrasta com a quietude e a serenidade desta pequena grande cidade perdida no nosso Alentejo.

“A feira abriu com grande excitação. Todo o Rossio se iluminou de festa com fieiras de barracas, carrocéis, circos, stands de carros e máquinas agrícolas, tendas de doçaria, de fotocómico, tômbolas, jogos de argolinha, aparelhos de buena-dicha com variantes de passarinhos que tiram o papel de forças, solitárias vendedoras de água com uma bilha e um copo ao lado, vendedores de mantas, de escadas, de cestos – sob um céu duro de altifalantes e poeira e vibrações luminosas. Noite de S. João, noite cálida de bruxas e de sonhos.” (Aparição)

Hoje o cenário está diferente, com as devidas adaptações à actualidade, mas o que importa é a continuação desta tradição, que atravessou épocas bastante diversas e muitas e muitas gerações, por isso faz parte da história de todos os eborenses. E com certeza não foi fácil torná-la imune à passagem do tempo. Esperemos que o futuro proporcione as mudanças de que a feira precisa para se tornar um verdadeiro ponto de encontro e divertimento para todas as gerações, possibilitando a passagem do testemunho. Até pró ano!

julho 03, 2005

CaMinHanDo aTÉ ti...


Tudo está mergulhado num silêncio profundo e o tempo parece ter parado. Apenas o meu espectro teima em vaguear pelas ruas desertas, impelido por uma qualquer força interior. Continuo a caminhar, horas a fio, sem destino traçado e o aglomerado de casas começa a ser um cenário longínquo, até ao momento em que olho para trás e me apercebo que já tinha sido arrancado do meu horizonte. Contudo, isso não perece importar-me, contínuo a minha caminhada, sempre com os olhos postos na estrada, sem prestar atenção ao que me rodeia. Paro apenas o tempo suficiente para descansar, trincar qualquer coisa e recuperar forças para continuar. Nem eu próprio sei até onde irei ou até onde quero ir…sei apenas que vou!

Caminhando...
Passo por inúmeras cidades, todas diferentes, mas todas iguais. Todas elas tinham algo em comum: a indiferença com que os seus habitantes conseguiam viver, ou, sobreviver! O movimento e o barulho constante dos carros com os seus motoristas impacientes, a correria das pessoas de um lado para outro, sem sequer virarem os olhos por instantes, para perceber o que se passa mesmo à sua volta. Parecem alheadas da realidade e apáticas perante qualquer acção que não se encaixe na sua rotina diária, como se tivessem adormecidas e fossem máquinas programadas com uma ordem fixa de movimentos. Quero afastar-me desta realidade, ela não me pertence…
Caminhando…
Vislumbro uma cadeia de montanhas a sul e fico impressionado com a sua grandiosidade. Vou subindo, andando por terrenos cada vez mais inclinados, começo a cansar-me rapidamente, mas ainda que pare para recuperar energia, não posso desistir. O vento sopra cada vez com mais força, começo a ficar gelado e apercebo-me que vou em direcção a uma tempestade. Os relâmpagos são a luz e os trovões a banda sonora da minha caminhada, as pingas começam a cair e fico completamente molhado. Mas nem mesmo assim desisto...Depois de muito caminhar, a tempestade parece acalmar e começam a rasgar os primeiros raios de Sol que passado pouco tempo já me encadeam.
Caminhando…
Avisto o deserto, um horizonte plano, um gigantesco espaço vazio, o vento calmo, e nada, absolutamente nada à minha volta. Como se o mundo tivesse escolhido aquele lugar para mostrar a sua imensidão e simplicidade. Olhei para o céu azul e deixei-me inundar por aquela luz, por aquela sensação de que estava em lugar nenhum e em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo. Mas esta agradável sensação durou breves minutos, porque logo o calor começou a apertar, não havia água para beber e à minha volta apenas o nada que era tudo. Mas era preciso continuar. Para onde? Não fazia a menor ideia, mas também não estava preocupado com isso. Nem as tempestades de areia me fizeram parar, nada, absolutamente nada.
Caminhando…
Começo a ficar rodeado de verde, um lugar cheio de vida, um hino à Natureza, onde plantas, árvores, flores e animais convivem pacificamente, dando uma lição de vida a quem quiser aprende-la. A magia deste lugar contagia-me, vivo momentos únicos: brinco e corro com os animais, falo com as flores, danço com as borboletas, canto com os passarinhos e alimento-me com os frutos que as árvores gentilmente me oferecem…mas em breve percebo que este também não é o meu lugar, que sou um intruso apesar de bem-vindo. E por isso despeço-me com um enorme abraço de saudade a este lugar encantado e continuo a minha peregrinação pelos trilhos da minha vida…
Caminhando…
Avisto algo que me intriga, apesar de ver dunas de areia que se assemelham ao deserto, vejo que estão cercadas por uma imensidão infinita de azul, que se confunde com o céu. Assim que os meus pés sentem o calor dos grãos de areia, deixo-me cair e fico ali deitado, deslumbrado, a contemplar o céu feito de água que vai e vem até mim. Mas o cansaço é muito, foram muitos e muitos anos a caminhar e por isso acaba por adormecer, ali mesmo às portas do sonho… Despertei com os primeiros raios solares do dia, ergui-me e continuei a caminhar em direcção ao mar, flutuando por cima da água até chegar à ilha em que esperavas por mim, desde o primeiro momento das nossas vidas.
Imagem de: Yann Arthus-Bertrand, Nigéria

julho 01, 2005

Do oUtRo LaDo dO EsPeLHo...


O Espelho mostra apenas o reflexo dos que ousam olhá-lo de frente, não busca pormenores, sentidos, significados; contenta-se com a imagem momentânea que lhe surge. Mas a vida não se resume ao que é visível, é preciso ir mais além, buscar o outro lado, o lado que fica por detrás da imagem que o espelho nos mostra. Tal como Platão descreveu na Alegoria da Carverna, a realidade não são as sombras que os escravos viam projectadas por tochas nas paredes da caverna. Segundo ele, o papel da filosofia seria o de ajudar os escravos a libertar-se da sua condição, avançando progressivamente em direcção ao Sol, à verdadeira realidade. Neste caso, a filosofia trata-se de uma atitude, de um modo de estar na vida: questionar a aparência, o que é visível, o que o espelho nos mostra…e tentar encontrar o que está DO OUTRO LADO DO ESPELHO!
É isso que pretendo fazer neste blog…tentar encontrar e mostrar o outro lado do espelho de cada pensamento, de cada imagem, de cada sentimento, de tudo o que faz parte de mim e do que me rodeia.
Imagem de: Yann Arthus-Bertrand, EUA